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Navegar num mar de letras

Um blogue que permitirá, aos seus autores, navegar pelas letras contando algumas histórias. E dedicado a quem ainda tem paciência para ler pessoas que gostam de andar por aí sem bússola.

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Na doçura de um Inverno - parte III

por golimix, em 30.03.15


jardim carreira.jpgJardim da Carreira em Vila Real - retirado da net

 

 

Enquanto prosperava o amor entre Miguel e a sua doce musa, com Artur e Amélia crescia uma bela amizade, e foi com eles que contaram para os seus encontros, já que as mulheres não gozavam de liberdade para saídas. Muitas vezes era Amélia quem encobria a amiga com  mentiras simples.

 

Mas a mãe de Miguel, mulher rígida, austera, e deveras elitista, que insistia em demonstrar a sua preeminência sobre, o que ela considerava, a populaça, não tardou em descobrir que algo se passava com ele. É difícil esconder quando se está muito apaixonado, que era o caso do seu filho, e meteu na cabeça que iria descobrir quem estava a atrapalhar os seus intentos de enviá-lo para Coimbra e ser um excelente advogado, tal como o pai, sem qualquer distracção. A menos que essa distracção fosse filha de alguém de ocupação condigna na sociedade. Mas o seu instinto de mãe dizia-lhe que isso não era o que estava a acontecer.

E o que fez? Ordenou a um de seus criados que seguisse Miguel e a avisasse quando, e onde, é que ele estaria de encontros secretos com uma moça. Tinha por intento surpreender os amados, e descobrir de quem se tratava a rapariguinha que certamente se tinha apoderado do seu filho. Para ela um inconsequente que não percebia nada da vida! E já que o pedido para a conhecer pelas vias tradicionais lhe fora sumariamente negado. Mais! Seu filho havia negado que, sequer, existisse algum amor na sua vida. Ela recorreria ao que fosse necessário para tratar da oportunista, tal como o seu instinto lhe dizia que era. Valer-se-ia de toda sua precisão e obstinação para cumprir o seu propósito.

 

Numa tarde solarenga, já a Primavera ia a meio, a Sr.ª D.ª Antonieta da Maia Belmonte e Castro fora avisada pelo seu criado sobre o encontro que seu filho estava a ter com uma jovem moça no Jardim da Carreira, ao que parecia era o ponto de encontro preferido dos amados. A moradia onde habitavam era algo afastada da cidade, mas nada que não se resolvesse com recurso ao automóvel que possuíam. Pediu ao motorista, que além disso realizava também algum serviço de jardinagem, que largasse tudo o que estava fazer no momento e a transportasse até ao ponto pretendido. Obviamente, o funcionário obedeceu sem questionar aquilo que lhe parecia, apesar dos muitos pedidos extravagantes que a patroa lhe pedia, uma insânia. Que raio queria a patroa fazer àquela hora no Jardim da Carreira?

 

Pediu que estacionasse a uma certa distância para que o carro não fosse avistado e ordenou que esperasse por ela, pois não demoraria. Colocou-se num ponto estratégico, e sem ser vista, observou, gravando a imagem da moça que estava com o seu filho na sua mente, e foi sentar-se em silêncio, e a ferver, novamente no automóvel. Esperou que o jovem par saísse do seu lugar. Viu Miguel acompanhá-la rua abaixo. Ordenou que seguissem o casal. Mais à frente esperava-os outra moça acompanhada pelo Artur, que ela tão bem conhecia, e de quem nunca gostou muito. De muito longe, e argutamente, viu-os a despedirem-se. A aproveitadora e a outra jovem, dirigiam-se em direcção à ponte, e era para aí que ela iria, perseguindo a sua presa. Tinha que a apanhar só!

Mas o seu desígnio estava difícil de conseguir! Depois de atravessarem a ponte ainda percorreram algum caminho até junto da estação, aí chegadas entraram as duas numa das muitas lojinhas que por ali havia, e de lá só saiu a jovem que estava com Artur. Mas ela não desistia! Tinha que resolver o mais rápido a questão! Esperou com paciência. Sem precisar de o fazer durante muito tempo, já que não tardou a que a rapariguinha saísse, pouco depois, acompanhada de um homem que havia entrado minutos antes carregado de cestos de flores. Provavelmente algum familiar ou sabe-se lá quem mais! Estava à espera de tudo!


Bem, se não a conseguia apanhar sozinha a ela tanto melhor. Talvez estivesse ali mesmo outra oportunidade mais eficaz servida prontamente à sua frente. Saiu da viatura. E dirigiu-se, ostentando soberba, à simples loja. À entrada recebeu-a um jacto de ar carregado de diversos aromas florais, o que a fez retirar o seu lenço de bolso, ostensivamente, e tapar imediatamente a boca como se em vez de uma brisa perfumada tivesse sentido um terrível odor putrefacto. Tratava-se de uma florista.

A loja era pequena, e dentro de vários baldes com água dispunham-se uma certa variedade das mais singelas belezas que existem no mundo. Mas isso não a comoveu. Ninguém estava à vista. Que descuido! Mas ouviam-se barulhos vindos do interior trazidos por uma pequena entrada, sem porta, que certamente daria para uma pequena a arrecadação, já que o espaço não parecia muito grande. Tossicou. E este sinal produziu o seu efeito. Surgiu à entrada uma jovem mulher, suja de verde no peito e com um avental meio molhado. Reparou no seu ar de espanto e compreendeu-o, afinal não seria todos os dias que teria visitas daquele calibre!

- Deseja algo minha senhora? Tenho as flores mais frescas da cidade! E o meu marido acabou de colher, e trazer algumas agora mesmo! – A mulher falou numa voz alegre e despretensiosa, sem sequer imaginar o que tal figura estaria ali a fazer. Mas não era a primeira vez que atendia damas da sociedade, já que algumas preferiam escolher o que desejavam pessoalmente, não relegando a tarefa a ninguém.

- Não, minha querida, guarde as suas flores – disse numa voz dissimulada – preciso só de saber se conhece a jovem que saiu daqui ainda agora com aquele homem?

A florista tomou um ar sério, não estava a gostar do rumo da conversa – É a minha filha! E o homem meu marido. Para que deseja saber? E quem deseja saber? – Soltou numa voz firme. Não se deixava assustar por madames com ar caprichoso!

- Quem deseja saber não lhe interessa, pelo menos para já. Sabe por acaso onde a sua filha esteve ainda há pouco? – soltou a seguir uma risada nervosa - Ó que pergunta a minha?! Deve saber certamente, pois parece-me pensar que lhe deve ser conveniente - Disse, olhando-a de cima abaixo, e de seguida olhando brevemente, e com ar enojado, para a loja.

- Mau, mau Maria! – A Florista tomava uma postura defensiva. Mãos na anca - Não estou a gostar nada da conversa! Eu não a conheço, não faço ideia do que possa querer dizer com isso! E ou diz directamente ao que vem, ou, se não quer flores, pode sair por onde entrou!

- Uh! Já desconfiava da sua educação mal lhe coloquei a vista em cima! – Gracejou  cheia de prosápia – mas uma vez que "finge" - disse frisando - não saber ao que vim eu digo-lhe. O meu nome é Maria Antonieta da Maia Belmonte e Castro e pertenço a antiga linhagem dos Maia e Alvarenga , mas nem deve saber o que isso é. Linhagem! – Soltou Sr.ª D.ª Antonieta  mais os seus apelidos.

- Bem! Ó minha Sr.ª D.ª da linho e dos carrinhos de linha todos, faça o favor de sair já por onde entrou, isso antes que eu perca a minha paciência, que está, lhe garanto, por fio! Olha que uma destas! – Maria Angelina, Sr.ª Gina, nome como era conhecida, começava a julgar que a mulher, dada a ares de dama, que tinha a sua frente sofria de uma perturbação mental qualquer.

- Não arredo pé daqui enquanto não me prometer que a sua filha não perseguirá o meu filho! Porque eu tratarei de o afastar dela! E ele obedecer-me-á, como sempre. Só necessito é que colabore e mantenha a sua "menina" - disse fazendo questão de acentuar a última palavra - longe! Bem longe. Ouviu?  – Firmou Sr.ª D.ª Antónia, sem mover um músculo de onde se encontrava.

- A minha filha com o seu filho? Ainda por cima a persegui-lo? – a pobre florista até entreabriu a boca de espanto – Mas quem lhe disse tal?

- Ninguém me disse, eu vi com os meus olhos! E lhe afianço que tenho boa visão! E mais. Não pense a senhora, e a sua descendente, que obterão algo desta relação! Eu nunca deixaria que isso sequer avançasse a tal, apesar de achar que se trata de um namorico sem consequência, não quero o meu filho misturado com gente como vós! Muito menos distraído dos propósitos que temos para o seu futuro.

 

A Sr.ª Gina, mulher inteligente, percebera tudo num ápice. Afinal talvez os trabalhos de estudo que tanto tinha com a Amélia não fossem só trabalhos… mas isso resolveria em casa. Agora, só tinha que espantar aquela ave rara dali!

– Minha querida – Soltou no ar mais exageradamente afectado que conseguiu – quem não quer nada com a sua família sou eu!! Com a minha filha entendo-me eu! Entenda-se a senhora como o seu filho. Porque a minha menina tem 14 anos e vamos ver quem persegue e quem é o perseguido aqui!!! Ponha-se já daqui para fora! Não quero, e nem preciso, dos seus nomes todos ou do que eles possam trazer, e até lhe dizia onde os enfiar não fosse a minha mãezinha ter-me ensinado a respeitar mesmo quem não me respeita! Portanto, a ser superior! 

- Você a ser superior?! - Olhou-a com desdém a Sr.ª D.ª Antónia - Nunca o conseguirá! E sim, vou-me já embora antes que apanhe um problema respiratório ou outro mal qualquer - voltou-se para a porta não sem antes virar a cabeça e ainda proferir - está avisada, mantenha a sua catraia bem longe! Ou não sabe do que sou capaz!

 

E saiu, não ouvindo as bravatas e calões que saíram da boca de Sr.ª Gina. Ah! Mas a sua filha ia levar que contar! Ai se ia!

 

Por sua vez, a Sr.ª D.ª Antónia, chegara a casa a praticamente a cuspir fogo! Subiu aos quartos,  dirigindo-se prontamente ao quarto do filho, esperava encontra-lo aí. E assim foi. Miguel estava estendido de costas na cama e olhar fixo no teto. Certamente a sonhar com ela. Ia acabar com isto e já! E de rompante atirou.

- Menino Miguel já sei quem é a fedelha com quem se tem encontrado e já tratei do assunto com a terrível mãe que ela tem. Nunca mais! Ouviu!?!  Nunca mais quero que a veja! Não quero sequer  que lhe fale! Afaste-se dela ou vai ter que se haver comigo! 

- Mãe! Ó mãe o que foste fazer? - Miguel levantou-se de olhos esbugalhados e aturdido.

- O que fui fazer? Fui libertá-lo de uma aproveitadora. Uma catraia de 14 anos que já sabe mais do que devia! E o menino devia ter juízo! Já se divertiu? Agora chega! está na hora de voltar à realidade. O que não falta são jovens mais adequadas para si.

- Mãe, mas é a ela que amo. Quem disse que quero ser liberto? Afinal só tem menos 4 anos que eu. O que é isso? Além do mais não me posso afastar dela.

- Não pode?! Mas quem pensa que manda? Pode sim! Ouviu?

- Mãe, ela está grávida! Vai ter um filho meu!

 

E assim começou a época mais negra da vida de Miguel. No futuro, uma nuvem negra o esperava, pacientemente, para tragar toda a felicidade que sentira até então...

......

O avô interrompeu a história levantando-se do cadeirão do escritório onde outrora se acomodavam livros, interrompendo deste modo a intensa narrativa.

- Ó avô, outra vez? Não me vais deixar assim pois não? - António abriu os braços em súplica.

- Caramba! Se queres que continue deixa-me ir fazer um pouco de café. Já é tarde e preciso de uma dose de cafeína. Já continuo......

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